Transido de dor, após a ferroada, o Monge dirige-se ao escorpião nestes termos: – Eu quis salvar-te, e salvei-te. É esta a minha recompensa? Apesar de tudo, cumpri o meu dever.
Ditas estas palavras o homem pôs-se a seguir o animal com o olhar, e qual não é o seu espanto quando o vê dirigir-se de novo para o curso do rio, caindo e afundando-se nele pela segunda vez.
Uns quantos metros atrás o jovem observador continuava a assistir à tudo, sem se mover ou proferir uma palavra. Observava, apenas.
Apesar de ainda não estar totalmente recomposto da dor da ferroada, o Monge não resistiu ao impulso e foi uma vez mais em socorro do escorpião ao mesmo tempo que lhe dirigia as seguintes palavras: – Ah, pobre criatura, uma vez mais o sofrimento te apoquenta. Tenho pena de ti.
Ato contínuo, pegou uma vez mais no escorpião colocando-o em terra firme e segura. Escusado seria dizer que, uma vez mais, o animal ferroou o santo homem que acabava de o salvar da morte certa pela segunda vez consecutiva em poucos minutos. E desta vez a ferroada foi muito mais violenta do que a primeira. O homem gritou bem alto com tão tremenda dor.
Não se contendo mais, o jovem observador abandona a sua vigília e dirige-se ao local entabulando com o Monge o seguinte diálogo:
JOVEM: – Você é um tolo! Ou está louco?! Porque fez isso? Da primeira vez, errou, e da segunda, repetiu o mesmo erro.
MONGE: – Meu amigo, o que posso fazer? A minha natureza é amar, a minha natureza é salvar. A natureza do escorpião é odiar, a natureza do escorpião é ferroar. Eu tenho de seguir a minha própria natureza e o escorpião tem de seguir a sua própria natureza. Não permitirei que a sua natureza altere a minha natureza. Se ele cair à água outra vez, eu tirá-lo-ei, não importando quantas vezes ele venha a cair. Serei picado, chorarei, lamentarei; mas não negarei a minha natureza, que é amar, salvar e proteger os outros.
Ao ouvir estas palavras o jovem ajoelha-se diante do Monge, toca-lhe os seus pés e diz-lhe:
JOVEM: – O senhor é o meu Mestre, o meu Guru. Eu tenho procurado, ansiado por um Guru. Hoje, encontro no senhor o meu verdadeiro Guru. E como sou seu discípulo, de agora em diante, se o escorpião cair ao rio, serei eu quem vai salvá-lo e colocá-lo de volta em terra.
(Ditas aquelas palavras, o jovem discípulo, prosternado, canta uma oração em frente do seu Mestre.)
(Enquanto o jovem cantava, o Monge escutava-o e seguia o escorpião com os seus olhos atentos. O Guru, agora sentado na margem, observa a cena. Ao cabo de alguns minutos, o escorpião cai outra vez ao rio. O discípulo apressa-se a ir em seu socorro, como prometera ao seu Mestre. Lança-se ao rio, pega no escorpião e põe-o em terra firme, mas o escorpião não o fere. Ao contrário do que havia feito com o velho Monge, por duas vezes, ao jovem discípulo o escorpião não deu uma ferroada.)
JOVEM: – Como pode ser isto, Mestre? Eu não fui ferido. Pensei que eu também seria picado pelo escorpião. O senhor foi ferido impiedosamente duas vezes. Eu não entendo.
MONGE: – Meu bom rapaz, tu não entendes? Tenho que te dizer? Tu acreditarás em mim?
JOVEM: – Por favor, por favor, diga-me. Eu acreditarei no senhor, Mestre.
MONGE: – O escorpião também tem uma alma, e essa alma disse-lhe que, se ele te picasse, ao invés de colocá-lo em terra, tu o matarias imediatamente. O escorpião sabia que tu não aceitarias aquilo, que não irias tolerar a sua ingratidão. De ti, o escorpião não obteve qualquer garantia de segurança. O escorpião não te picou porque sentiu isso. No meu caso, a alma do escorpião sabia que eu jamais o mataria, independente de quantas vezes ele me picasse; eu apenas pegaria nele e o colocaria em terra, para sua segurança.
(No dia-a-dia, as pessoas também lutam, discutem e ameaçam outras apenas quando percebem que os seus opositores são fracos ou não querem lutar. Mas, caso vejam que alguém é mais forte do que elas, então ficam caladas.)
JOVEM: – Mestre, o senhor tem discípulos?
MONGE: – Tenho muitos, muitos discípulos.
JOVEM: – O que é que o senhor faz com eles?
MONGE: – Eu dou e recebo, recebo e dou. Recebo o seu veneno todos os dias, e dou-lhes néctar, em troca. Recebo a sua aspiração e dou-lhes realização. Recebo deles o que eles têm, ignorância, e dou-lhes o que eu tenho, sabedoria. Eles dão-me a garantia da minha manifestação e eu dou-lhes a garantia da sua realização. Nós necessitamos um do outro. Tu precisas de mim para poderes esvaziares-te – esvaziar a tua impureza, imperfeição, obscuridade e ignorância, – em mim. E eu preciso de ti para poder encher-te com o meu todo, com tudo que há no meu interior. Assim é como completarmo-nos um ao outro. A tua natureza é dar-me o que tens: impureza, obscuridade, imperfeição, limitação, apego e morte. A minha natureza é dar-te o que eu tenho: pureza, amor, alegria, luz, beatitude e perfeição. Quando a tua natureza entra na minha natureza e a minha natureza entra na tua natureza, ambos somos totalmente completos.
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